Introdução
O chamamento ao processo é uma modalidade específica de intervenção de terceiros prevista nos artigos 130 a 132 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável exclusivamente pelo réu de uma ação. A finalidade do chamamento é permitir que o réu inclua outros devedores na lide, formando um litisconsórcio passivo, para que se determine a responsabilidade solidária ou compartilhada entre coobrigados. O chamamento visa a economia processual, evitando decisões contraditórias e permitindo que o réu, caso condenado e obrigado a satisfazer a dívida, possa exigir a parte dos demais coobrigados diretamente na mesma ação, por meio da formação de um título executivo judicial.
Importância para o Direito Processual Civil
Esse tema é particularmente relevante no Direito Processual Civil por promover a ampliação da composição da lide e garantir uma solução mais eficaz e completa para disputas com múltiplos devedores. Em cenários práticos, o chamamento ao processo evita a proliferação de ações regressivas, agilizando o reconhecimento das responsabilidades solidárias e facilitando a execução posterior de sentenças.
Conceito e Objetivo do Chamamento ao Processo
O chamamento ao processo é definido como uma intervenção de terceiro “forçada” e que só pode ser utilizada pelo réu de uma ação. Diferentemente da assistência, que permite a participação de terceiros de forma voluntária e pode ser solicitada tanto pelo autor quanto pelo réu, o chamamento é uma intervenção específica para o réu e tem o objetivo de incluir outros coobrigados na lide.
O objetivo principal do chamamento ao processo é a formação de um título executivo judicial contra coobrigados. Em situações de responsabilidade solidária ou fiança, ele permite que o réu chame outros responsáveis pela dívida, garantindo que a sentença, caso seja procedente, defina a responsabilidade de cada devedor, sem a necessidade de uma nova ação para reembolso ou execução. Esse processo, além de simplificar o cumprimento da decisão judicial, promove economia processual e segurança jurídica, reduzindo o risco de decisões conflitantes.
Hipóteses de Cabimento do Chamamento ao Processo
Segundo o artigo 130 do CPC, o chamamento ao processo é cabível em três hipóteses específicas:
1. Chamamento do Afiançado pelo Fiador
Essa hipótese ocorre quando o fiador, que figura como réu na ação, chama o afiançado (devedor principal) para integrar o polo passivo. Isso é especialmente comum em contratos onde o fiador é chamado a responder pelo inadimplemento do afiançado.
Exemplo Prático: Em um contrato de fiança para pagamento de mensalidade em uma faculdade, o fiador pode ser acionado caso o estudante (afiançado) não pague as mensalidades. Neste caso, o fiador, como réu, pode chamar o estudante para compor o processo, com o intuito de garantir que a sentença estabeleça a responsabilidade do afiançado e do fiador, caso haja condenação.
2. Chamamento dos Demais Fiadores
Essa situação ocorre quando, em um contrato com múltiplos fiadores, apenas um deles é acionado judicialmente. Esse fiador, ao ser incluído como réu, pode chamar os outros fiadores para o processo, compartilhando a responsabilidade solidária.
Exemplo Prático: Em um contrato de locação em que cinco fiadores garantem o cumprimento das obrigações do locatário, caso apenas um fiador seja acionado, ele poderá chamar os outros quatro fiadores para dividir a responsabilidade solidária no polo passivo.
3. Chamamento dos Demais Devedores Solidários
Quando o credor escolhe acionar judicialmente apenas um dos devedores solidários, este pode chamar os demais devedores solidários para que todos componham o polo passivo da ação. A solidariedade permite que o credor exija a totalidade da dívida de apenas um dos devedores, que por sua vez pode buscar a divisão proporcional das responsabilidades por meio do chamamento ao processo.
Exemplo Prático: Imagine que três pessoas contratem uma dívida solidária de R$ 50.000,00 com um credor. Se o credor escolhe cobrar todo o valor de um dos devedores, este devedor poderá chamar os outros dois para que respondam proporcionalmente na execução do débito.
Essas hipóteses são taxativas e estão expressamente previstas no artigo 130 do CPC, sendo as únicas situações em que o chamamento ao processo pode ser requerido.
Procedimento do Chamamento ao Processo
O chamamento ao processo segue um procedimento específico e possui regras rígidas quanto ao momento e forma de sua execução.
Momento do Chamamento
O réu deve requerer o chamamento ao processo dentro do prazo para contestação. Este é o momento processual adequado para que o réu solicite a inclusão de terceiros no polo passivo. A doutrina considera que, caso o chamamento não seja realizado na contestação, ocorrerá a preclusão, ou seja, a perda da oportunidade processual de chamamento. A consequência da preclusão é que o réu terá que ajuizar uma nova ação, posteriormente, caso deseje o ressarcimento de valores pagos em excesso.
Regras de Citação do Chamado
Uma vez feito o pedido de chamamento, é necessário proceder à citação do chamado. O réu deve providenciar que a citação do terceiro seja realizada em até 30 dias. Em casos em que o chamado reside em outra comarca, subseção ou seção judiciária, o prazo para citação é estendido para dois meses.
Essa citação formaliza o ingresso do terceiro na lide, e a presença do chamado no processo é indispensável para que a sentença proferida tenha validade como título executivo judicial para execução contra ele. Caso o réu não promova a citação do chamado dentro do prazo estabelecido, o chamamento perde efeito, e o réu perde o benefício processual pretendido.
Formação de Litisconsórcio e Título Executivo Judicial
O chamamento ao processo resulta na formação de um litisconsórcio passivo facultativo. Esse litisconsórcio é formado após a citação dos chamados e ocorre para garantir que todos os coobrigados respondam conjuntamente, ou de forma proporcional, pela obrigação.
A sentença, ao reconhecer o direito do autor e condenar os réus (incluindo os chamados), valerá como título executivo judicial em favor do réu que satisfizer a dívida. Dessa forma, o réu que cumprir a condenação poderá, com base na mesma sentença, cobrar a parte proporcional devida pelos outros coobrigados, sem necessidade de uma nova ação.
Exemplo Esquematizado do Procedimento
- O autor ajuíza uma ação contra um devedor solidário.
- Esse devedor (réu) solicita o chamamento ao processo dos demais devedores solidários, ou do afiançado, conforme o caso.
- O réu requer a citação dos chamados na contestação.
- A citação do chamado é realizada em até 30 dias, ou 2 meses se o chamado residir fora da comarca.
- O juiz julga a ação, proferindo sentença.
- Se a sentença for procedente, ela vale como título executivo para que o réu possa cobrar dos coobrigados a parte proporcional da dívida.
Diferenças entre Chamamento ao Processo e Denunciação da Lide
Embora ambos os institutos pertençam ao rol das intervenções de terceiros, o chamamento ao processo e a denunciação da lide possuem finalidades e características distintas:
- Denunciação da Lide: Pode ser requerida tanto pelo autor quanto pelo réu e é aplicável em casos onde há direito de regresso, ou seja, a intenção é fazer com que um terceiro (responsável regressivo) responda pela dívida ou indenização caso o denunciado perca a ação.
- Exemplo: Uma seguradora é denunciada na lide pelo segurado, para garantir que ela indenize o autor caso o segurado seja condenado.
- Chamamento ao Processo: É exclusivo do réu e se aplica em relações de responsabilidade solidária, especialmente em contratos de fiança e obrigações solidárias. A finalidade é incluir coobrigados no polo passivo para assegurar a divisão da responsabilidade financeira no cumprimento da sentença.
Essas distinções são essenciais para a correta aplicação dos institutos, evitando que se usem indevidamente em contextos inadequados.
Doutrina e Jurisprudência
A doutrina majoritária, incluindo autores como Humberto Theodoro Júnior e Daniel Assumpção Neves, reconhece o chamamento ao processo como um importante mecanismo de economia processual e de evitação de litígios futuros. Com a inclusão dos coobrigados na mesma ação, evita-se que o réu precise propor uma ação autônoma de regresso, permitindo que a responsabilidade de cada um seja definida de forma clara e eficiente.
A jurisprudência também tem aplicado o chamamento ao processo para consolidar a ideia de que a sentença constitui um título executivo judicial em favor do réu, permitindo-lhe cobrar dos coobrigados as quantias devidas. Essa prática simplifica o cumprimento da sentença e diminui a sobrecarga do sistema judiciário.
Conclusão
O chamamento ao processo é um instituto processual de grande importância para a justiça civil, pois permite que se defina, em um único processo, a responsabilidade de todos os coobrigados em dívidas solidárias ou contratos de fiança. Sua correta aplicação pode trazer grandes benefícios, como a economia processual e a segurança jurídica, ao evitar decisões contraditórias e garantir que o réu tenha direito de regresso contra os demais coobrigados.
Para operadores do direito, é essencial compreender os requisitos e limitações deste instituto para aplicá-lo corretamente em cenários que envolvam múltiplos devedores. Com o chamamento ao processo, não só se resguarda o direito do réu, mas também se preserva o princípio da eficiência processual.