Dosimetria da Pena: A Primeira Fase – A Fixação da Pena-Base

A dosimetria da pena no sistema jurídico brasileiro é estruturada em três fases, sendo a primeira delas a fixação da pena-base, que será analisada detalhadamente neste artigo. Essa etapa é essencial para estabelecer os parâmetros iniciais da pena, garantindo que a aplicação seja proporcional e justa ao caso concreto, com base no artigo 59 do Código Penal Brasileiro.

Introdução

A fixação da pena-base é regida por um sistema trifásico, previsto no artigo 68 do Código Penal. Este artigo determina que o cálculo da pena deve observar três etapas sequenciais: a fixação da pena-base, a consideração das circunstâncias atenuantes e agravantes, e, por último, as causas de aumento e diminuição da pena. O objetivo dessa abordagem é assegurar que as especificidades de cada caso sejam avaliadas de forma criteriosa e fundamentada.


Estrutura e Critérios da Primeira Fase

Sistema Trifásico e Artigo 68 do Código Penal

O sistema trifásico introduzido pela reforma penal de 1984 organiza a dosimetria da pena de forma sequencial. A primeira fase, regida pelo artigo 59, avalia as chamadas circunstâncias judiciais. Essa análise inicial é crucial, pois delimita a pena-base a partir do preceito secundário do tipo penal.

No caso do crime de homicídio simples (artigo 121 do Código Penal), por exemplo, o preceito secundário prevê pena de reclusão de 6 a 20 anos. Em situações de homicídio qualificado, como feminicídio, a pena aumenta para 12 a 30 anos, representando o preceito secundário qualificado.

Circunstâncias Judiciais do Artigo 59

O artigo 59 do Código Penal lista oito circunstâncias judiciais que devem ser analisadas pelo juiz ao fixar a pena-base:

  1. Culpabilidade: Avalia o grau de reprovabilidade da conduta. Um agente com maior dolo ou descaso pelas consequências deve ter uma pena mais elevada.
  2. Antecedentes: Considera a vida pregressa no âmbito criminal. Apenas condenações com trânsito em julgado podem ser usadas para agravar a pena.
  3. Conduta Social: Refere-se ao comportamento do agente no convívio familiar, comunitário e profissional.
  4. Personalidade: Analisa características psicológicas e morais do réu, mas somente quando fundamentadas em provas nos autos.
  5. Motivos do Crime: Examina os fatores que levaram à prática criminosa, especialmente se forem torpes ou nobres.
  6. Circunstâncias do Crime: Incluem aspectos como o local, o momento, e os meios utilizados na prática do delito.
  7. Consequências do Crime: Consideram os impactos além do resultado típico, como danos sociais ou familiares à vítima.
  8. Comportamento da Vítima: Avalia se a vítima contribuiu de forma direta ou indireta para a prática do crime.

Cada uma dessas circunstâncias pode ser favorável, desfavorável ou neutra, impactando diretamente o cálculo da pena.


Regras Gerais na Fixação da Pena-Base

Limites da Pena

A pena-base não pode ultrapassar os limites mínimo e máximo previstos no preceito secundário do tipo penal. Assim, para o crime de furto (artigo 155 do Código Penal), cuja pena varia de 1 a 4 anos, o juiz não pode fixar a pena-base abaixo de 1 ano ou acima de 4 anos.

Quando todas as circunstâncias judiciais são favoráveis ao réu, a pena deve ser fixada no mínimo legal. Por outro lado, se todas forem desfavoráveis, a pena deve alcançar o máximo permitido.

Métodos de Cálculo

Existem diferentes metodologias para calcular a pena com base nas circunstâncias judiciais desfavoráveis:

  1. Divisão Proporcional: Divide-se o intervalo entre a pena mínima e máxima pelo número de circunstâncias judiciais (oito). Cada circunstância desfavorável aumenta a pena proporcionalmente.
  2. Incremento Percentual: Alguns juízes adotam um critério de aumento fixo, como 1/6 da pena mínima para cada circunstância negativa.
  3. Critério Discricionário: O juiz fundamenta o aumento com base em elementos específicos do caso, sem seguir uma fórmula rígida.

Fundamentação Obrigatória

O juiz deve fundamentar individualmente cada aumento ou redução da pena com base nas circunstâncias do artigo 59. Ausência de fundamentação pode resultar na nulidade da sentença.


Exemplos Práticos

  1. Homicídio Qualificado:
  • Pena mínima: 12 anos.
  • Pena máxima: 30 anos.
  • Circunstâncias desfavoráveis: 2.
  • Intervalo: 18 anos (30 – 12).
  • Incremento por circunstância: 18 ÷ 8 = 2 anos e 3 meses.
  • Pena-base final: 12 + (2 × 2 anos e 3 meses) = 16 anos e 6 meses.
  1. Furto Simples:
  • Pena mínima: 1 ano.
  • Pena máxima: 4 anos.
  • Circunstâncias desfavoráveis: 1.
  • Intervalo: 3 anos (4 – 1).
  • Incremento por circunstância: 3 ÷ 8 = 3 meses.
  • Pena-base final: 1 + 3 meses = 1 ano e 3 meses.
  1. Lesão Corporal Seguida de Morte:
  • Pena mínima: 4 anos.
  • Pena máxima: 12 anos.
  • Circunstâncias desfavoráveis: 4.
  • Intervalo: 8 anos (12 – 4).
  • Incremento por circunstância: 8 ÷ 8 = 1 ano.
  • Pena-base final: 4 + (4 × 1 ano) = 8 anos.

Assertivas

  • A primeira fase da dosimetria define a pena-base com base no artigo 59 do Código Penal.
  • O sistema trifásico busca garantir proporcionalidade e justiça na aplicação da pena.
  • A análise das circunstâncias judiciais é obrigatória e deve ser fundamentada.
  • A pena-base não pode ultrapassar os limites do preceito secundário do tipo penal.
  • Métodos de cálculo podem variar, mas a fundamentação é essencial para evitar nulidades.

Conclusão

A fixação da pena-base é um momento crítico na dosimetria da pena, onde o juiz exerce grande discricionariedade, mas sempre dentro dos limites legais. A análise criteriosa das circunstâncias judiciais garante que a pena seja justa e adequada ao caso concreto, respeitando os princípios constitucionais de individualização e proporcionalidade da pena.


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